Um anjo chamado Anna
-Entre, Dona Anna! A casa é sua!
Sempre tão determinada, a pequenina agora reluta.
-Mas... mas... e eles? – diz alongando os olhos em direção ao Lar.
-Não se preocupe! Eles também virão. Quando forem chamados! – acrescenta o recepcionista com um sorriso branco e largo como suas vestes.
À beira do portal, ela se lembra do fusca laranja. Pensa em dar umas voltinhas, do jeito que fazia no pátio da entidade, só pra não perder a prática. O guardião, que sabe ler pensamentos, a desafia:
-O que é um quatro rodas 74 quando a senhora pode acionar um par de asas novinho em folha, com velocidade a gosto?
-O senhor está dizendo... que eu posso voar? – pergunta ela incrédula.
-E por que não poderia? Todo anjo voa!
Ela estranha a fala cheia de melódicas exclamações. Está mais habituada às reticências da vida... E o lance de “anjo” lhe soa muito esquisito. Estará sonhando?
De repente, vislumbra uma baforada de fumaça, e ela não se agüenta:
-Aqui pode fumar?
-Olha, Dona Anna, quem entra aqui, pode tudo! Mas não são todos que entram!
Desta vez, ela não hesita:
-Vou “passar os fogos” naquele senhor!
Antes que desse seu típico puxão de orelha, o homem levanta-se do puff de nuvem e vai ao seu encontro:
-Est le bienvenu, Anna! Nous avons rencontré...
Ora, ora! Só conhecia um “gringo” da gema que brincava
-És tu, Ervalino? Então, só posso estar no...
-In the Sky – completa ele, agora em inglês – Onde mais poderia ser, minha cara?
-E aquela repartição intermediária para a gente se purificar? Afinal, eu não salvei vidas assim como tu – diz ela com sua habitual humildade.
Ele sorri malicioso enquanto puxa mais uma baforada, obviamente sem nicotina.
-Salvaste, sim! Corpos e almas.
Ela insiste:
-Mas o mérito é da comunidade! E teu também, que ajudaste a construir o sonho, abrindo a porta das empresas para nós.
Então Pedro, que acompanha o singular diálogo, chacoalha o molho de chaves para ganhar novamente a atenção da recém-chegada:
-Desculpe, madame, mas a senhora precisa entrar. Tenha a bondade!
E Dona Anna, cheia de graça, ensaia um voo rasante para, em seguida, fazer um looping e planar ao sabor do vento... Depois, envolta em luz, junta-se a uma legião de anjos. Ela nunca gostou de solidão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário