quarta-feira, 17 de março de 2010

Um anjo chamado Anna

Um anjo chamado Anna

-Entre, Dona Anna! A casa é sua!

Sempre tão determinada, a pequenina agora reluta.

-Mas... mas... e eles? – diz alongando os olhos em direção ao Lar.

-Não se preocupe! Eles também virão. Quando forem chamados! – acrescenta o recepcionista com um sorriso branco e largo como suas vestes.

À beira do portal, ela se lembra do fusca laranja. Pensa em dar umas voltinhas, do jeito que fazia no pátio da entidade, só pra não perder a prática. O guardião, que sabe ler pensamentos, a desafia:

-O que é um quatro rodas 74 quando a senhora pode acionar um par de asas novinho em folha, com velocidade a gosto?

-O senhor está dizendo... que eu posso voar? – pergunta ela incrédula.

-E por que não poderia? Todo anjo voa!

Ela estranha a fala cheia de melódicas exclamações. Está mais habituada às reticências da vida... E o lance de “anjo” lhe soa muito esquisito. Estará sonhando?

De repente, vislumbra uma baforada de fumaça, e ela não se agüenta:

-Aqui pode fumar?

-Olha, Dona Anna, quem entra aqui, pode tudo! Mas não são todos que entram!

Desta vez, ela não hesita:

-Vou “passar os fogos” naquele senhor!

Antes que desse seu típico puxão de orelha, o homem levanta-se do puff de nuvem e vai ao seu encontro:

-Est le bienvenu, Anna! Nous avons rencontré...

Ora, ora! Só conhecia um “gringo” da gema que brincava em francês. O doutor.

-És tu, Ervalino? Então, só posso estar no...

-In the Sky – completa ele, agora em inglês – Onde mais poderia ser, minha cara?

-E aquela repartição intermediária para a gente se purificar? Afinal, eu não salvei vidas assim como tu – diz ela com sua habitual humildade.

Ele sorri malicioso enquanto puxa mais uma baforada, obviamente sem nicotina.

-Salvaste, sim! Corpos e almas.

Ela insiste:

-Mas o mérito é da comunidade! E teu também, que ajudaste a construir o sonho, abrindo a porta das empresas para nós.

Então Pedro, que acompanha o singular diálogo, chacoalha o molho de chaves para ganhar novamente a atenção da recém-chegada:

-Desculpe, madame, mas a senhora precisa entrar. Tenha a bondade!

E Dona Anna, cheia de graça, ensaia um voo rasante para, em seguida, fazer um looping e planar ao sabor do vento... Depois, envolta em luz, junta-se a uma legião de anjos. Ela nunca gostou de solidão.


Nenhum comentário:

Postar um comentário