Segunda chance
Confesso: quando soube que iria ser avó, fui tomada por uma sensação de quase tristeza. Era como ser atropelada pelo carrossel do tempo, mais veloz do que nunca, e empurrada para o quarto portal da vida, com a consciência de finitude exacerbada. Depois do primeiro impacto, veio a espera. Nesse ínterim, tentava assimilar melhor as coisas, sabendo que haveria uma redefinição de posições, onde ganharia nova identidade, novo vínculo, etecétera e tal. Com a chegada da Gabriella, aquele sentimento flutuante foi embora, e a fascinação se firmou. A cotação do amor atingiu o pico mais alto. E deu-se a “idealização intensa” da pequenininha, coisa típica de avós, dizem os estudiosos da alma.
Psicologias à parte, descobri que ser avó é a segunda chance que a vida me deu. Como grande parte das mulheres, perdi a primeira entre fraldas, papinhas e banhos; entre noites mal dormidas e dias cheios; entre o trabalho de casa e o trabalho remunerado. Além disso, a responsabilidade pedagógica me obrigava a muitos “não”. Agora é diferente. Tenho a chance de curtir cada nova careta, novo dente, novo balbucio... E, sem a função disciplinadora, que impõe limites e barreiras, a palavra mais repetida é “sim”.
Gabriella está uma mocinha. Com um ano e dois meses, batemos altos papos. Assim que me vê, ela vai apontando o indicador e fazendo mil perguntas. Vou reproduzir um trechinho do diálogo que tivemos ontem:
-Hã? – seu dedinho indicava o céu. (Tradução: Por que a Lua mudou de lugar?)
-A Lua é que nem uma bola. Ora está aqui, ora está ali. Como o Sol é fortão, ele chuta a Lua.
Satisfeita com a resposta, ela foi baixando os olhos e o dedinho até a linha do horizonte:
-Hããã? Hããã? Hããã? (De onde vem tantos passarinhos?)
-Passarinhos são que nem pipoca. É só esquentar que eles voam da panela... do pinheiro.
Ela sorriu como se tivesse uma idéia das bobagens que vêm por aí. Depois seu indicador perseguiu uma formiga, desafiou outra, grudou numa migalha, foi para a boca... em sua contínua exploração do mundo.
Gabriella já deve intuir que a casa da “vó” é um lugar onde sempre vai encontrar disponibilidade, podendo até violar algumas regras, onde vai descobrir diferenças e se relacionar com o passado, partilhando afetos e histórias. Saudável para ambos os lados.
E eu, na condição de avó, vivo com plenitude essa segunda chance proporcionada por Deus, pelo Universo, pela natureza...
quarta-feira, 17 de março de 2010
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