terça-feira, 23 de março de 2010
A síndrome do porco
Tema já discutido – e publicado – mas sempre em alta, especialmente neste ano de gripe suína, eufemisticamente batizada de gripe A.
Dizem que, durante a era glacial, muitos animais morriam de frio. Os porcos-espinhos, numa tentativa de sobrevivência, juntavam-se uns aos outros para se manterem aquecidos. Mas, devido aos espinhos, começaram a se ferir. Aí, magoados, distanciaram-se, e muitos acabaram morrendo congelados. Então, tiveram de fazer uma escolha: ou aceitariam as farpas dos semelhantes ou desapareceriam da face da Terra. Sabiamente, optaram pela vida e aprenderam a conviver sem se machucar tanto.
Parece que, ao pé da letra, a história se inverteu. Para a gente se manter viva, é preciso não apenas guardar distância dos espirros e fungadas, mas também da massa em geral. Aliás, afirmam os técnicos, prevenção esta que deveria ser aplicada diante de qualquer outra ameaça de infecção por vírus.
* * *
Embora as autoridades garantam que a gripe A é tão ou menos letal do que a gripe comum, o povo já entendeu o recado dos meios de comunicação: a pandemia mata. Resultado: estamos todos em polvorosa monitorando nossos espirros e policiando os suspiros dos que nos cercam... Bom, menos o “Tomé” – nome emprestado da Bíblia a esta pessoa, homem ou mulher, de quem vou falar (a discrição faz parte).
“Tomé” é cético por natureza. Não crê nem descrê. Apenas duvida. Inclusive, vislumbramos um certo ar de desdém na segunda-feira, por ocasião das comemorações dos quarenta anos de viagem à Lua...
Para “Tomé”, somos ingênuos de carteirinha e geralmente repetimos os argumentos dos outros. Em nossa mais recente conversa, na terça, ele nos alertou:
-Vocês se lembram da saga do ovo? Antigamente, a gema esteve em alta, depois foi execrada por ser uma bomba de colesterol, a seguir, absolvida. Atualmente... não se sabe ao certo. E o chocolate? E o vinho? E o café? Aí tem... E na política, então? Dá para levar alguém a sério? (Referência a esta enxurrada de escândalos em nível estadual e federal).
“Tomé” acha que, atrás dos bastidores, a malandragem corre solta, e que somos manipulados que nem marionetes. Segundo ele, dançamos conforme a música, sem nos darmos conta de que o ritmo muda junto com os interesses.
-Tudo bem! Mas e a gripe suína? – insistimos, mantendo algum distanciamento.
Ele nos respondeu com outra pergunta:
-E a febre amarela? Os mosquitos sumiram do mercado?
-Como assim? – dissemos em uníssono.
-Desovar estoques de vacinas é coisa que nem ouso pensar...
Ele continuava a semear dúvidas em torno de questões “inquestionáveis”, quando, então, observamos um embrulho com indicativo de venda de farmácia, no fundo da gaveta de sua mesa.
-Máscaras?! Até tu, “Tomé”?
-Gente, tenho “a cabeça aberta, mas nem por isso deixo o cérebro cair”, ora bolas! – disse, lavando as mãos com gel.
segunda-feira, 22 de março de 2010
Poeminha pornô
O que era pra ser apenas um sorriso virou discussão psicanalítica, com direito a citações de papas do assunto e tudo. Ninguém escapou, nem o Sigmund. E como poderia? Toda pessoa que se preza sabe que o Pai da Psicanálise era Freud mesmo.
A polêmica iniciou com o humor poético de Luiz Coronel, lido numa fila que aguardava a hora pra bater o ponto. Dizia assim: “Quando o sol abre o zíper, as nuvens levantam as saias”.
A primeira reação feminina – a fila era só de mulheres – foi obviamente a de sorrir. Mas, sabe como é, quem espera tem tempo de sobra, até pra discutir o sexo dos anjos.
-Que delicadeza de verso! – proclamou uma fofinha com expressão de enlevo.
-Hum! Metáfora sacana... – insinuou a que estava ao lado, com ar ausente, quem sabe fantasiando o fim de semana próximo.
A outra retrucou que sacanagem estava na cabeça dela. Vê se podia! Desvirtuar um verso espirituoso e ...
-E com segundas intenções – completou a “invocada”.
Aí ninguém mais segurou a verborréia... ou verborragia (só pra evitar a rima provocada pela salmonela). Até as que estavam vagando num universo paralelo, desembarcaram e entraram na onda. Então alguém lá detrás mostrou que o buraco era mais embaixo, que o humor da literatura é narcisista, que o ego é tipo assim... meio caolho, só enxerga o que quer, coisa e tal, que o superego transforma a dor em prazer através da graça – ela sabia pois havia passado os olhos em Freud, ainda no tempo da brilhantina.
E aquela fileira amorfa ficou pulsante. Heidegger foi tirado do baú com seu “nada”, e nada acrescentou senão uma batalha semântica. Kant veio em socorro, e morreu na praia. Jesus, Martinho Lutero e Martin Luther King, por algum motivo oculto, foram conduzidos à discussão. Então a fofinha, profundamente irritada, explodiu:
-Gente, o verso só quer dizer que, quando o sol raia, as nuvens caem fora.
-E por que levantam a saia se não estão a fim?
A voz vinha do outro lado. Os olhares convergiram todos àquela direção. A desafiante ponderou:
-O Luiz (o poeta) está afirmando o óbvio. Sexo é vital.
-Esse Coronel não é meio machista? Então o sol abre a braguilha e as nuvens se derretem?! – agora quem falava era uma simpatizante da causa feminina.
A fofinha – aquela do começo da história – resolveu dar um basta com um clássico de Quintana, devidamente adaptado à situação:
-Todas estas que aqui estão/ atravancando o meu caminho/ elas passarão.../ Eu passarinha!
Quase foi caçada.
Quando o Universo conspira
“mais camaleoa do que carangueja”.
Nascida no signo de Câncer e registrada em Leão, há
mais de meio século, em uma Linha que já foi muito Alegre (interior de Muçum).
Sempre buscando adaptar-me às exigências
de cada nova fase, vivo atropelando
o tempo, com pouco tempo de curtir
a vida. Sofro da Síndrome da Pressa, o que faz
com que eu passe mais depressa...
Sem ser feminista, tenho aversão ao
machismo e a preconceitos de qualquer
ordem. Não sou dada a exageros,
por entender que o equilíbrio é fundamental
nas relações.
Quanto aos sonhos para o futuro,
entendo que o futuro é agora. Mas tenho sonhos,
sim, e eventuais pesadelos.
Quanto à amizade, acho que, na hierarquia
dos afetos, os amigos vêm logo depois da família.
Sou casada com Volmar Antônio e mãe do Cléber,
do César e do André e avó da princesinha
Gabriella.
quinta-feira, 18 de março de 2010
Coincidências
Pesquisando sobre a questão acima, me deparei com teorias diversas, conforme a crença de cada qual. Os mais espiritualizados afirmam que “nada acontece por acaso”. Do que se poderia deduzir que “coincidências são pequenos milagres onde Deus quis permanecer anônimo”, ou, ainda, que “o Universo conspira...” a favor ou contra, de acordo com as atitudes do vivente. Isso equivale a dizer que não existe coincidência, mas, sim, causa e efeito. O que nos leva a outro princípio – defendido por alguns cientistas e refutado pela maioria: o da força do pensamento. A idéia vem sendo divulgada desde os anos cinqüenta, com a publicação de Norman V. Peale, “O Poder do Pensamento Positivo”. Como essa fórmula de autoajuda mostrou-se um sucesso – especialmente para o autor – muitos outros escritores enveredaram pelo mesmo caminho. No ano passado, “O Segredo” estourou na parada. A autora, Rhonda Byrne, explica que é só pedir, acreditar e receber, que o Universo inteiro se move para deixar visível a coisa pedida e construída pela fé, no plano da invisibilidade. A explicação “científica” – nunca provada cientificamente – é de que, ao pensar, estaríamos emitindo uma alta freqüência capaz de influenciar os eventos. Como todos pensam, estaríamos interligados através desse campo energético de efeito dominó. Acho que essa teoria deu origem à frase “Uma borboleta que bate asas no Japão pode causar um tornado no Brasil” (Deixa Santa Catarina saber disso!). Do outro lado, o grupo dos mais racionais fala da lei das probabilidades, que rege os números muito grandes. Garantem que, se compreendêssemos essa lei e observássemos as estatísticas, não nos surpreenderíamos com “coincidências”.
Feita a devida explanação, cabe ao leitor enquadrar o fato abaixo em seu respectivo lugar, ou tecer nova teoria, se for o caso.
Há anos atrás, um cidadão cujo nome devo preservar, andava pela rua com um sentimento de impotência diante da situação: era fim de mês, o “caixa” esvaziara, e ele não fazia idéia de onde tirar trinta reais – na época, o equivalente a um terço do salário mínimo – para completar o valor que a filha necessitava para pagar a mensalidade do curso que fazia na capital. A passos lentos, remoía a dureza da vida, quando um ventinho gelado fez com que erguesse a gola do sobretudo e baixasse a cabeça. Então, viu voar a seus pés uma nota de dez reais. O homem, surpreso, olhou em volta: nem sinal de alguém, que poderia tê-la perdido. Recolheu-a e continuou andando. Outra baforada fria e novamente o gesto de apertar o abrigo e baixar a cabeça. E outra nota de dez lambendo o sapato. Depois de perscrutar o céu e alisar a cédula, retomou a caminhada, agora com vagar e um quê de expectativa. E... nada... até o fim da quadra. Finalmente, nova rajada do minuano. O homem instintivamente olhou em direção aos pés. Uma folha de hibisco, só! Sorria da própria ingenuidade, quando um ventinho de fim de inverno buliu com seus cabelos. A seus pés, a terceira nota de dez reais...
Cartilha da Corrupção
O bebê! Há como se imaginar que uma pessoinha frágil feito um botão venha a ser um adulto corrupto?
O bebê, cercado de amor e cuidados – ou não –, inicia a aprendizagem desde que descobre sua capacidade de manipular os pais com chorinho em dó maior. No princípio, são coisas tão “inocentes” que, se não tiverem continuidade, caem no esquecimento. Para que nada se perca na lixeira do cérebro, aqui vai a cartilha que abre os horizontes do (sub)mundo da corrupção:
-ache graça da birra do seu bebê e faça o impossível para atendê-lo em todas as suas exigências;
-use de chantagem para fazê-lo comer;
-não o repreenda se ele chutar as canelas dos avós;
-quando ele estiver em idade escolar, prometa, por exemplo, uma bicicleta se passar de ano;
-caso ele não tenha estudado para alguma prova, escreva um bilhetinho para a diretora, dizendo que o pobrezinho se encontra acamado;
-fale mal da professora, principalmente se as notas estiverem baixas, afinal a culpa não é dele;
-se alguém ligar ou bater à porta, peça-lhe para dizer que você não está;
-exiba-se no trânsito, driblando os panacas;
-mostre a ele como furar as filas, deixando os otários pra trás;
-ensine-o a tirar vantagem em tudo;
-cubra suas transgressões de criança ou de adolescente;
-incentive a pirataria, apontando como se pode ganhar muito gastando pouco;
-treine-o para subornar os outros;
-dê-lhe um carro se ele passar no vestibular.
Bom, você já cumpriu com seu papel. Seu filho deve ter aprendido que mentir, manipular, barganhar, chantagear, trapacear e praticar pequenas infrações, faz parte da luta pela sobrevivência. Daqui pra frente, é por conta dele. Com sorte e “padrinhos” (fada madrinha já era), poderá até vir a ser... sei lá... presidente do Senado?
quarta-feira, 17 de março de 2010
"Com a macaca"
Um macaquinho que tomou gosto pela vida fácil (sem aspas), passou a fazer incursões rotineiras pelo pátio de uma residência. Era tão esperto e engraçadinho que foi praticamente adotado pela família. Resultado: o símio passou a ter livre trânsito na casa.
Na semana passada, o macaco deve ter acordado “com a macaca”. De manhã, vendo a casa às escuras, sem ninguém para recebê-lo, resolveu soltar todos os diabinhos. E era uma verdadeira falange. Primeiro, ele foi ao porão, onde pencas de salame fresco estavam sendo defumadas. Com a habilidade que o caracteriza, desamarrou todas elas e as arremessou aos cachorros, que fizeram a festa. Depois se aproximou do freezer abarrotado de carne de porco e, com conhecimento de causa – e de conseqüência – puxou o fio que estava na tomada. Não satisfeito, foi para o andar de cima. Na cozinha, arrancou os botões do fogão a gás. No quarto, apossou-se dos produtos de beleza e afins. Ia aprontar mais alguma travessura, quando a família retornou. Devidamente maquiado e perfumado, o macaco correu para dar as boas-vindas. A mulher alvoroçou-se. Alguma coisa não cheirava bem (mas haveria de cheirar muito pior). Então viu uma rota formada por batons quebrados, loções e cremes derramados, pentes e pincéis, num caos total. De repente ouviu o marido berrar:
-Aquele filho de uma macaca acabou com meu salame!
Homem e mulher saíram bufando e de arma em punho – ela com a vassoura, ele com o cinto. Mas o moleque, que era mais rápido, enfiou-se no matagal, grunhindo palavrões.
É claro que tudo passa, inclusive a raiva. Três dias depois, com saudades do capetinha, já estavam desejando que ele voltasse... até rastrearem o odor fétido que subia do porão...
Segunda chance
Confesso: quando soube que iria ser avó, fui tomada por uma sensação de quase tristeza. Era como ser atropelada pelo carrossel do tempo, mais veloz do que nunca, e empurrada para o quarto portal da vida, com a consciência de finitude exacerbada. Depois do primeiro impacto, veio a espera. Nesse ínterim, tentava assimilar melhor as coisas, sabendo que haveria uma redefinição de posições, onde ganharia nova identidade, novo vínculo, etecétera e tal. Com a chegada da Gabriella, aquele sentimento flutuante foi embora, e a fascinação se firmou. A cotação do amor atingiu o pico mais alto. E deu-se a “idealização intensa” da pequenininha, coisa típica de avós, dizem os estudiosos da alma.
Psicologias à parte, descobri que ser avó é a segunda chance que a vida me deu. Como grande parte das mulheres, perdi a primeira entre fraldas, papinhas e banhos; entre noites mal dormidas e dias cheios; entre o trabalho de casa e o trabalho remunerado. Além disso, a responsabilidade pedagógica me obrigava a muitos “não”. Agora é diferente. Tenho a chance de curtir cada nova careta, novo dente, novo balbucio... E, sem a função disciplinadora, que impõe limites e barreiras, a palavra mais repetida é “sim”.
Gabriella está uma mocinha. Com um ano e dois meses, batemos altos papos. Assim que me vê, ela vai apontando o indicador e fazendo mil perguntas. Vou reproduzir um trechinho do diálogo que tivemos ontem:
-Hã? – seu dedinho indicava o céu. (Tradução: Por que a Lua mudou de lugar?)
-A Lua é que nem uma bola. Ora está aqui, ora está ali. Como o Sol é fortão, ele chuta a Lua.
Satisfeita com a resposta, ela foi baixando os olhos e o dedinho até a linha do horizonte:
-Hããã? Hããã? Hããã? (De onde vem tantos passarinhos?)
-Passarinhos são que nem pipoca. É só esquentar que eles voam da panela... do pinheiro.
Ela sorriu como se tivesse uma idéia das bobagens que vêm por aí. Depois seu indicador perseguiu uma formiga, desafiou outra, grudou numa migalha, foi para a boca... em sua contínua exploração do mundo.
Gabriella já deve intuir que a casa da “vó” é um lugar onde sempre vai encontrar disponibilidade, podendo até violar algumas regras, onde vai descobrir diferenças e se relacionar com o passado, partilhando afetos e histórias. Saudável para ambos os lados.
E eu, na condição de avó, vivo com plenitude essa segunda chance proporcionada por Deus, pelo Universo, pela natureza...
Um anjo chamado Anna
Um anjo chamado Anna
-Entre, Dona Anna! A casa é sua!
Sempre tão determinada, a pequenina agora reluta.
-Mas... mas... e eles? – diz alongando os olhos em direção ao Lar.
-Não se preocupe! Eles também virão. Quando forem chamados! – acrescenta o recepcionista com um sorriso branco e largo como suas vestes.
À beira do portal, ela se lembra do fusca laranja. Pensa em dar umas voltinhas, do jeito que fazia no pátio da entidade, só pra não perder a prática. O guardião, que sabe ler pensamentos, a desafia:
-O que é um quatro rodas 74 quando a senhora pode acionar um par de asas novinho em folha, com velocidade a gosto?
-O senhor está dizendo... que eu posso voar? – pergunta ela incrédula.
-E por que não poderia? Todo anjo voa!
Ela estranha a fala cheia de melódicas exclamações. Está mais habituada às reticências da vida... E o lance de “anjo” lhe soa muito esquisito. Estará sonhando?
De repente, vislumbra uma baforada de fumaça, e ela não se agüenta:
-Aqui pode fumar?
-Olha, Dona Anna, quem entra aqui, pode tudo! Mas não são todos que entram!
Desta vez, ela não hesita:
-Vou “passar os fogos” naquele senhor!
Antes que desse seu típico puxão de orelha, o homem levanta-se do puff de nuvem e vai ao seu encontro:
-Est le bienvenu, Anna! Nous avons rencontré...
Ora, ora! Só conhecia um “gringo” da gema que brincava
-És tu, Ervalino? Então, só posso estar no...
-In the Sky – completa ele, agora em inglês – Onde mais poderia ser, minha cara?
-E aquela repartição intermediária para a gente se purificar? Afinal, eu não salvei vidas assim como tu – diz ela com sua habitual humildade.
Ele sorri malicioso enquanto puxa mais uma baforada, obviamente sem nicotina.
-Salvaste, sim! Corpos e almas.
Ela insiste:
-Mas o mérito é da comunidade! E teu também, que ajudaste a construir o sonho, abrindo a porta das empresas para nós.
Então Pedro, que acompanha o singular diálogo, chacoalha o molho de chaves para ganhar novamente a atenção da recém-chegada:
-Desculpe, madame, mas a senhora precisa entrar. Tenha a bondade!
E Dona Anna, cheia de graça, ensaia um voo rasante para, em seguida, fazer um looping e planar ao sabor do vento... Depois, envolta em luz, junta-se a uma legião de anjos. Ela nunca gostou de solidão.